quarta-feira, 25 de maio de 2011

UMA AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO DA OUA

  1. No dia 25 de Maio de 1963, constituiu-se, em Addis Abeba, a Organização de Unidade Africana (OUA). São já passados 48 anos desde essa data que é memorável e de grande simbolismo para o nosso continente, cujo acto constitutivo contou com a participação de representantes de 32 países africanos independentes, assim como diversos movimentos de libertação.

  1. Do documento constitutivo da Organização de Unidade Africana constavam 6 grandes objectivos:

· Promoção da unidade e solidariedade entre os estados africanos;

· Coordenação e intensificação da cooperação entre os estados africanos, com vista a garantir uma vida melhor para os seus povos;

· Defesa da soberania, integridade territorial e independência dos estados africanos;

· Erradicação de todas as formas de colonialismo em África;

· Promoção da cooperação internacional, respeitando a Carta das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos do Homem;

· Coordenação e harmonização das políticas dos estados membros nas esferas política, diplomática, económica, educacional, cultural, da saúde, bem-estar, ciência, técnica e defesa.

  1. Ao longo desses 48 anos, foram inúmeros os conflitos internos nos nossos estados e ocorreram até mesmo conflitos violentos envolvendo estados africanos. É isso que me leva a afirmar que a unidade e também a solidariedade entre os estados africanos nem sempre foram um facto. Eis, pois, um dado que ilustra a nossa afirmação: mais de metade dos conflitos produzidos no mundo tiveram lugar em solo africano.

  1. Dos inúmeros conflitos internos que a África registou, os da Serra Leoa, Libéria, Argélia, Angola, Ruanda, Congo, e da Somália foram, sem sombra de dúvidas, os que mais mancharam a imagem do nosso continente. Eles e outros conflitos contribuíram – e de que maneira – para o actua estado de empobrecimento e de subdesenvolvimento que nos caracteriza. Muitos desses conflitos vestiram roupagem étnica, mas outros ganharam também contornos religiosos. Na maior parte dos casos, quer a OUA, quer o seu sucedâneo, a União Africana, mostraram-se incapazes de os prevenir ou de lhes dar solução.

  1. Os conflitos entre estados africanos não foram muitos, mas foram em número e com gravidade suficientes para serem menosprezados. Recordo, por exemplo, as guerras travadas entre a Etiópia e a Eritreia, entre o Ruanda e a República Democrática do Congo, entre o Senegal e a Guiné-Bissau.

  1. Outro dos objectivos inscritos na Constituição da OUA – a cooperação entre os estados africanos – deve igualmente merecer a nossa atenção. É que, não obstante hoje existirem espaços de cooperação para os países africanos, e até mesmo com tendência para aumentarem, todavia, o seu grau de desenvolvimento, na maioria dos casos, é incipiente. Senão, vejamos:

i) O processo de integração das economias africanas efectua-se ainda no quadro sub-regional, mais concretamente nas 5 sub-regiões em que o nosso continente de subdivide;

ii) O grau de maturação desses espaços de integração sub-regional tem profundas diferenças, pois, em alguns domínios, há um claro avanço (África Ocidental e África Austral), mas, noutros domínios, os desenvolvimentos são somente uma miragem.

  1. Um dos problemas com que se debate o processo de integração das economias africanas tem a ver com a participação de alguns países em mais de um espaço de integração. Tal multiplicação de esforços confunde os processos e reduz a sua eficácia.

  1. Mesmo que, por vezes, se manifestem tendências centrífugas, a integridade territorial dos estados africanos não foi severamente molestada. Porém, a nossa história recente regista já o surgimento de novos estados fruto de rupturas internas, como foi o caso da Eritreia, que se desanexou da Etiópia, após uma longa guerra. Deu-se, ainda, a pulverização da soberania nacional na Somália, um estado que passou à condição de um leque de pequenos territórios dominados por grupos clânicos.

  1. A Líbia está a ser objecto de fortes ataques militares levados a cabo por forças da NATO e de alguns países ocidentais, sem que a nossa organização continental, a União Africana, mostre competência para ajudar o alcance de uma paz justa e duradoura.

  1. O contributo da OUA para a erradicação do colonialismo, o quarto objectivo definido em 1963, é uma das suas principais bandeiras. A pressão política exercida pela OUA e demais formas de ajuda que prestou aos movimentos de libertação tornaram-se cruciais para a libertação total dos nossos povos do colonialismo. Contudo, ainda subsiste a chaga da ocupação por Marrocos do território do Sahara Ocidental, situação que é tida por muitos como uma espécie de colonialismo intra-africano.

  1. O desrespeito pelos direitos humanos no nosso continente é uma péssima imagem que passamos ao mundo. Em África, mantêm-se irredutíveis regimes políticos que atropelam descaradamente os mais elementares direitos humanos. Somos também o espaço privilegiado para medrarem poderes autocráticos e até mesmo regimes ditatoriais. Prevalecem ditaduras mais ou menos explícitas que são, sobretudo, garantidas pelos recursos naturais abundantes que alguns estados possuem e que, foram branqueados pelos nossos parceiros ocidentais, em nome dos seus interesses egoístas.

  1. Desponta, porém, uma nova era com o alastramento das reivindicações populares por mais liberdade e por verdadeiras democracias. Os ventos que hoje sopram a partir do norte de África terão, a prazo, repercussões sobre a totalidade do nosso continente. E então estará cumprida uma parte do quinto objectivo definido na Constituição da OUA.

  1. O último grande objectivo definido no projecto constitutivo da OUA, a coordenação e harmonização de políticas, é um percurso que se vai fazendo, de um modo gradual e muito lentamente. Em algumas áreas, registam-se avanços. Mas há ainda, também, demasiadas hesitações, o que pode dificultar a nossa caminhada para nos tornarmos um continente mais unido e mais próspero.

  1. Por fim, e em homenagem ao simbolismo da data que agora se comemora, eis, em resumo, um quadro nada abonatório sobre a África que hoje temos e que compete a nós melhorar:

i) A grande maioria dos países africanos ocupa os lugares menos honrosos no que diz respeito ao bem-estar das populações. Por exemplo, são países africanos os 3 pior colocados no ranking da mortalidade infantil no mundo – Serra Leoa, Angola e Níger;

ii) As mais baixas Esperanças de Vida ao Nascer são também de países africanos – Serra Leoa (38 anos), Malawi (39), Uganda (40), Zâmbia (40), Ruanda (41), Burundi (43), Etiópia (43), Moçambique e Zimbabwe (44), Burquina Fasso (45);

iii) O mesmo quadro repete-se no que concerne à Taxa de Analfabetismo – Níger (86%), Burquina Fasso (79%), Gâmbia (67%);

iv) Existem no nosso continente inúmeras crianças-soldados, em países como: Argélia, Ruanda, Burundi, Congo Brazzaville, RDC, Serra Leoa, Sudão, Uganda. Infelizmente, Angola não escapou a este flagelo;

v) O trabalho infantil é uma gritante e revoltante realidade, sendo muito expressivo em países como o Benin, Ghana, Togo e Nigéria;

vi) Actualmente, a África regista o maior número de crianças órfãs por causa da SIDA: acima de 14 milhões. Tem também a maior percentagem de refugiados que, na sua grande maioria, são crianças.

vii) Presentemente há 14 mulheres Chefes de Estado no mundo, e somente uma delas é africana: Ellen Jonhson Sirleaf, da Libéria, desde 2005.

viii) Desde 1995, o número de mulheres parlamentares em África duplicou ou mais do que duplicou, mas ainda é na Europa Ocidental que existem mais mulheres parlamentares (acima de 30%). Um dado positivo a reter: em 2008, no Ruanda, o número de mulheres parlamentares (56%) ultrapassou o número dos homens. As mulheres também estão muito bem representadas no Parlamento da África do Sul, bem como no de Angola, onde ainda pode e deve melhorar.

ix) Contudo, no nosso continente, ainda se pratica a mutilação genital feminina, mesmo que tal prática esteja a diminuir.

x) É na África Sub-sahariana que morrem mais mulheres por causa do parto.

xi) 60% dos seropositivos em África são de sexo feminino.

xii) Não poucas vezes, as mulheres auferem salários inferiores aos dos homens pela prática dos mesmos trabalhos (70% a 80%).

  1. É esta e as próximas gerações de africanos que terão de alterar o quadro que acabei de traçar, o que só sucederá se os processos democráticos em curso forem concluídos com êxito.

  1. Sem liberdades democráticas acentuar-se-ão as clivagens étnicas, e as disputas religiosas assumirão contornos cada vez mais perigosos. A centralização dos poderes – característica essencial dos regimes autocráticos e ditatoriais – aprofundará ainda mais as nossas assimetrias regionais. E, assim, veremos permanentemente adiado o nosso sonho de competirmos em pé de igualdade com os países mais avançados do mundo.

A UNIÃO AFRICANA E OS CONFLITOS EM ÁFRICA

  1. Os desaires sofridos pelos países mais desenvolvidos na resolução dos conflitos em África, Somália (1992) e Ruanda (1994), fizeram com que se reduzisse substancialmente a participação directa de militares europeus e norte-americanos. Hoje tal participação resume-se praticamente aos casos em que há acordos bilaterais, ou a missões de carácter muito específico e com duração limitada.

  1. Em 1991, 8 dos 10 maiores contribuintes para as missões de paz da ONU eram países desenvolvidos. Para além da Ucrânia (que é um país de desenvolvimento médio), quem mais contribui com efectivos militares são países de baixo nível de desenvolvimento, incluindo 4 países africanos: Ghana, Quénia, Nigéria e África do Sul.

  1. Porém, têm-se desenvolvido Programas de Apoio à Capacitação das organizações africanas no campo de segurança e da paz. São exemplo:
  • ACRI (Africa Crisis Response Initiative), criado pelos EUA em 1995;
  • RECAMP (Renforcement de la Capacité de Maintien de la Paix), implementado pela França.
  • África Peace Facility” (2004), apoiado pela União Europeia.

  1. No quadro da luta contra o terrorismo, os EUA vão apoiando algumas acções regionais, treinando e equipamento diversos países para o controlo das suas fronteiras e detecção de movimentos suspeitos. Um exemplo é a “Iniciativa Pan-Sahel”, dirigida às forças de segurança do Mali, Níger, Chade e Mauritânia.

A PREVENÇÃO E RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

  1. A União Africana (UA) elegeu a “Prevenção e a Resolução de Conflitos” como um campo privilegiado da sua acção, na perspectiva de que só se alcançará o desenvolvimento se houver estabilidade política e social.

  1. Pelo menos, teoricamente, a UA adoptou uma posição pragmática, tendo mesmo desenhado um mecanismo de “revisão pelos pares”, para a promoção da transparência ao nível das políticas públicas e da credibilidade dos regimes políticos, com o Ghana a ser o primeiro país a submeter-se ao mecanismo.

  1. Foram também criados outros instrumentos como o Parlamento Pan-Africano e o Conselho para a Paz e Segurança (CPS) da União Africana. Neste último organismo nenhum dos 15 Estados integrantes possui direito de veto. Porém, a real funcionalidade destes órgãos pode ser posta em causa por questões que têm muito a ver com a sua sustentabilidade financeira.

  1. Ao Conselho para a Paz e Segurança (CPS) da UA está incorporado um Sistema Continental de Alerta Prévio (CEWS) estritamente ligado às unidades de observação e monitorização das organizações sub-regionais, como a CEDEAO e a SADC. Compete às unidades de observação e monitorização coligir e processar os dados a nível sub-regional e transmiti-los para a sala do CEWS. O grande objectivo é simplificar e reduzir os esforços.

  1. No quadro da Mediação e Resolução de Conflitos, a intervenção africana teve lugar, por exemplo, no Burundi (com mediação sul-africana), RDC, Somália e Sudão (através do IGAD – Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento), Libéria, Serra Leoa, Costa do Marfim.

O PAPEL DA CEDEAO

  1. Presentemente, a CEDEAO é a única organização sub-regional africana com capacidade para fazer intervenção militar, dado que funciona como um sistema de defesa integrado, através do seu braço armado, o ECOMOG (Ecowas Monitoring Group). Contudo, a CEDEAO possui uma grande dependência externa em meios logísticos e financeiros. Ela já interveio na Libéria (1990-1997), Serra Leoa (1993-2000) e na Guiné-Bissau (1998-1999), com resultados que foram objecto de fortes críticas, pois de missões de paz evoluíram para campanhas militares, com a Nigéria a colocar-se a favor de uma das facções ou defendendo os seus interesses nacionais.

  1. Em 1999, CEDEAO criou o Conselho de Mediação e Segurança, como mecanismo para a resolução de conflitos na sub-região. O Conselho de Mediação e Segurança permite a intervenção militar desde que a resolução seja aprovada por uma maioria de 2/3 dos votos.

  1. A CEDEAO criou igualmente uma unidade contra a proliferação de armas ligeiras e constituiu um Fundo para a Paz (2003), com vista a financiar as intervenções militares e assim diminuir a dependência das contribuições financeiras feitas pelos países ocidentais.

  1. Ela dispõe também de centros de treinamento regionais para a formação específica de militares para as missões de paz, além das academias militares da Nigéria, Mali e Ghana (Kofi Annan International Peacemaking Training Centre - 2004), com vista a formação de uma futura força permanente. Dessa organização sub-regional, a Nigéria é ainda o único país com uma substancial capacidade militar em termos aéreos e navais.

  1. Em 2003, a Nigéria voltou a intervir militarmente na Libéria recorrendo ao destacamento militar que tinha na Serra Leoa. Desta forma, a CEDEAO contribuiu para o alcance de um acordo de paz entre o governo e os dois principais grupos rebeldes.

  1. A posição assumida pela CEDEAO no conflito da Costa do Marfim, tentando evitar o conflito militar pós-eleitoral, demonstrou a intenção de a organização jogar um papel mais pró-activo. Contudo, não foi coroada de êxito.

  1. Com vista a antecipar-se aos acontecimentos, estão em curso Centros de Alerta nalguns países da África Ocidental, coordenados pelo Centro de Observação e Monitorização sedeado em Abuja.

O PAPEL DA SADC

  1. À semelhança do Conselho de Mediação e Segurança da CEDEAO, a SADC possui o chamado Órgão de Política, Defesa e Segurança (criado em meados da década de 90), para a prevenção e resolução de conflitos. Tal órgão tem sido praticamente inoperante, devido:

i) Ao seu carácter intergovernamental, a querelas políticas entre os Estados-membros;

ii) À ausência de valores comuns (coexistem regimes autoritários e democráticos);

iii) À disparidades entre os elementos orientadores das várias políticas externas (pacifistas e militaristas);

iv) E uma fortíssima disputa pela afirmação do poder e influência regionais.

  1. No quadro da SADC, a África do Sul interveio no Lesotho, colocando-se claramente ao lado de uma das partes.

  1. Contudo, quando ocorreu o conflito na RDC, posicionaram-se dois campos: África do Sul, Tanzânia e Zâmbia optaram por uma posição mais neutral; Angola, Zimbabwe e Namíbia tornaram-se adeptos da intervenção militar. A SADC tem, pois, uma grande dificuldade em manter alguma equidistância face aos beligerantes.

  1. Em 2001, a SADC assinou um Pacto de Defesa Comum que permite a intervenção não só contra agressores externos, mas também em conflitos intra-estatais que representem uma ameaça potencial à segurança regional.

O PAPEL DA UNIÃO AFRICANA

  1. A União Africana perspectiva criar uma Força Militar própria composta pelas chamadas Brigadas Stand-by nas 5 sub-regiões africanas: África do Norte, Central, Oriental, Ocidental e Austral. Tais Brigadas ficarão sob supervisão máxima da União Africana, como foi decidido pelos líderes africanos em 2004. Porém, a intervenção unilateral de países vizinhos em alguns conflitos tem complicado o papel da UA.

  1. A “African stand-by force”, teria cerca de 15.000 efectivos distribuídos em 5 brigadas de forças militares, policiais e observadores. Tal força poderá ser mandatada por decisão do Conselho de Paz e Segurança (CPS) da UA, através de uma maioria de 2/3.

  1. A missão de paz da UA no Burundi, em 2003/2004, foi um primeiro exercício nesse sentido. Tratou-se do envio de um efectivo de cerca de 2.600 militares oriundos da Etiópia, Moçambique e África do Sul, para supervisionar o cessar-fogo e contribuir para a estabilização política do país. Teve, porém, enormes dificuldades financeiras que acabaram por minar e prejudicar a sua acção. O efectivo africano acabou por ser “absorvido” pelas forças da ONU.

  1. Ainda prevalecem conflitos em África como o do Darfur e da Somália, onde existem forças de manutenção de paz para apoio ao Governo Federal Provisório.

  1. Nos últimos dias, agudizou-se a situação no Sudão, com a disputa entre forças do Norte e do Sul. Pelo menos do ponto de vista teórico, estará em vias de solução o problema do Sudão, com a perspectiva de criação do Estado Independente do Sul do Sudão (9 de Julho de 2011). Mas, a África continuará a suportar por mais algum tempo os regimes autoritários do Zimbabwe e do Madagáscar, até mesmo o da Eritreia.

  1. Fala-se cada vez mais insistentemente na realização, neste ano, de 17 actos eleitorais no nosso continente, com destaque para o que terá lugar na RDC.

A IMPORTÂNCIA DA ONU

  1. Ainda é a ONU que continua a jogar um papel crucial nos diversos processos de paz africanos, por razões práticas, e como factor de legitimação das intervenções regionais.

  1. Muitas vezes, assiste-se a uma “absorção” das forças africanas no contingente das Nações Unidas (Em 2004, por exemplo, as forças da CEDEAO foram integradas nas forças da ONU na Costa do Marfim - ONUCI).

  1. O grande risco que correm estas acções de intervenção militar é a possibilidade de permanecerem ainda no terreno muitos dos factores que foram determinantes para o despoletar da violência. Daí que seja fundamental a implementação de mecanismos e instrumentos de prevenção dos conflitos, ainda inexistentes na maior parte das organizações regionais de África.