- No dia 25 de Maio de 1963, constituiu-se, em Addis Abeba, a Organização de Unidade Africana (OUA). São já passados 48 anos desde essa data que é memorável e de grande simbolismo para o nosso continente, cujo acto constitutivo contou com a participação de representantes de 32 países africanos independentes, assim como diversos movimentos de libertação.
- Do documento constitutivo da Organização de Unidade Africana constavam 6 grandes objectivos:
· Promoção da unidade e solidariedade entre os estados africanos;
· Coordenação e intensificação da cooperação entre os estados africanos, com vista a garantir uma vida melhor para os seus povos;
· Defesa da soberania, integridade territorial e independência dos estados africanos;
· Erradicação de todas as formas de colonialismo em África;
· Promoção da cooperação internacional, respeitando a Carta das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos do Homem;
· Coordenação e harmonização das políticas dos estados membros nas esferas política, diplomática, económica, educacional, cultural, da saúde, bem-estar, ciência, técnica e defesa.
- Ao longo desses 48 anos, foram inúmeros os conflitos internos nos nossos estados e ocorreram até mesmo conflitos violentos envolvendo estados africanos. É isso que me leva a afirmar que a unidade e também a solidariedade entre os estados africanos nem sempre foram um facto. Eis, pois, um dado que ilustra a nossa afirmação: mais de metade dos conflitos produzidos no mundo tiveram lugar em solo africano.
- Dos inúmeros conflitos internos que a África registou, os da Serra Leoa, Libéria, Argélia, Angola, Ruanda, Congo, e da Somália foram, sem sombra de dúvidas, os que mais mancharam a imagem do nosso continente. Eles e outros conflitos contribuíram – e de que maneira – para o actua estado de empobrecimento e de subdesenvolvimento que nos caracteriza. Muitos desses conflitos vestiram roupagem étnica, mas outros ganharam também contornos religiosos. Na maior parte dos casos, quer a OUA, quer o seu sucedâneo, a União Africana, mostraram-se incapazes de os prevenir ou de lhes dar solução.
- Os conflitos entre estados africanos não foram muitos, mas foram em número e com gravidade suficientes para serem menosprezados. Recordo, por exemplo, as guerras travadas entre a Etiópia e a Eritreia, entre o Ruanda e a República Democrática do Congo, entre o Senegal e a Guiné-Bissau.
- Outro dos objectivos inscritos na Constituição da OUA – a cooperação entre os estados africanos – deve igualmente merecer a nossa atenção. É que, não obstante hoje existirem espaços de cooperação para os países africanos, e até mesmo com tendência para aumentarem, todavia, o seu grau de desenvolvimento, na maioria dos casos, é incipiente. Senão, vejamos:
i) O processo de integração das economias africanas efectua-se ainda no quadro sub-regional, mais concretamente nas 5 sub-regiões em que o nosso continente de subdivide;
ii) O grau de maturação desses espaços de integração sub-regional tem profundas diferenças, pois, em alguns domínios, há um claro avanço (África Ocidental e África Austral), mas, noutros domínios, os desenvolvimentos são somente uma miragem.
- Um dos problemas com que se debate o processo de integração das economias africanas tem a ver com a participação de alguns países em mais de um espaço de integração. Tal multiplicação de esforços confunde os processos e reduz a sua eficácia.
- Mesmo que, por vezes, se manifestem tendências centrífugas, a integridade territorial dos estados africanos não foi severamente molestada. Porém, a nossa história recente regista já o surgimento de novos estados fruto de rupturas internas, como foi o caso da Eritreia, que se desanexou da Etiópia, após uma longa guerra. Deu-se, ainda, a pulverização da soberania nacional na Somália, um estado que passou à condição de um leque de pequenos territórios dominados por grupos clânicos.
- A Líbia está a ser objecto de fortes ataques militares levados a cabo por forças da NATO e de alguns países ocidentais, sem que a nossa organização continental, a União Africana, mostre competência para ajudar o alcance de uma paz justa e duradoura.
- O contributo da OUA para a erradicação do colonialismo, o quarto objectivo definido em 1963, é uma das suas principais bandeiras. A pressão política exercida pela OUA e demais formas de ajuda que prestou aos movimentos de libertação tornaram-se cruciais para a libertação total dos nossos povos do colonialismo. Contudo, ainda subsiste a chaga da ocupação por Marrocos do território do Sahara Ocidental, situação que é tida por muitos como uma espécie de colonialismo intra-africano.
- O desrespeito pelos direitos humanos no nosso continente é uma péssima imagem que passamos ao mundo. Em África, mantêm-se irredutíveis regimes políticos que atropelam descaradamente os mais elementares direitos humanos. Somos também o espaço privilegiado para medrarem poderes autocráticos e até mesmo regimes ditatoriais. Prevalecem ditaduras mais ou menos explícitas que são, sobretudo, garantidas pelos recursos naturais abundantes que alguns estados possuem e que, foram branqueados pelos nossos parceiros ocidentais, em nome dos seus interesses egoístas.
- Desponta, porém, uma nova era com o alastramento das reivindicações populares por mais liberdade e por verdadeiras democracias. Os ventos que hoje sopram a partir do norte de África terão, a prazo, repercussões sobre a totalidade do nosso continente. E então estará cumprida uma parte do quinto objectivo definido na Constituição da OUA.
- O último grande objectivo definido no projecto constitutivo da OUA, a coordenação e harmonização de políticas, é um percurso que se vai fazendo, de um modo gradual e muito lentamente. Em algumas áreas, registam-se avanços. Mas há ainda, também, demasiadas hesitações, o que pode dificultar a nossa caminhada para nos tornarmos um continente mais unido e mais próspero.
- Por fim, e em homenagem ao simbolismo da data que agora se comemora, eis, em resumo, um quadro nada abonatório sobre a África que hoje temos e que compete a nós melhorar:
i) A grande maioria dos países africanos ocupa os lugares menos honrosos no que diz respeito ao bem-estar das populações. Por exemplo, são países africanos os 3 pior colocados no ranking da mortalidade infantil no mundo – Serra Leoa, Angola e Níger;
ii) As mais baixas Esperanças de Vida ao Nascer são também de países africanos – Serra Leoa (38 anos), Malawi (39), Uganda (40), Zâmbia (40), Ruanda (41), Burundi (43), Etiópia (43), Moçambique e Zimbabwe (44), Burquina Fasso (45);
iii) O mesmo quadro repete-se no que concerne à Taxa de Analfabetismo – Níger (86%), Burquina Fasso (79%), Gâmbia (67%);
iv) Existem no nosso continente inúmeras crianças-soldados, em países como: Argélia, Ruanda, Burundi, Congo Brazzaville, RDC, Serra Leoa, Sudão, Uganda. Infelizmente, Angola não escapou a este flagelo;
v) O trabalho infantil é uma gritante e revoltante realidade, sendo muito expressivo em países como o Benin, Ghana, Togo e Nigéria;
vi) Actualmente, a África regista o maior número de crianças órfãs por causa da SIDA: acima de 14 milhões. Tem também a maior percentagem de refugiados que, na sua grande maioria, são crianças.
vii) Presentemente há 14 mulheres Chefes de Estado no mundo, e somente uma delas é africana: Ellen Jonhson Sirleaf, da Libéria, desde 2005.
viii) Desde 1995, o número de mulheres parlamentares em África duplicou ou mais do que duplicou, mas ainda é na Europa Ocidental que existem mais mulheres parlamentares (acima de 30%). Um dado positivo a reter: em 2008, no Ruanda, o número de mulheres parlamentares (56%) ultrapassou o número dos homens. As mulheres também estão muito bem representadas no Parlamento da África do Sul, bem como no de Angola, onde ainda pode e deve melhorar.
ix) Contudo, no nosso continente, ainda se pratica a mutilação genital feminina, mesmo que tal prática esteja a diminuir.
x) É na África Sub-sahariana que morrem mais mulheres por causa do parto.
xi) 60% dos seropositivos em África são de sexo feminino.
xii) Não poucas vezes, as mulheres auferem salários inferiores aos dos homens pela prática dos mesmos trabalhos (70% a 80%).
- É esta e as próximas gerações de africanos que terão de alterar o quadro que acabei de traçar, o que só sucederá se os processos democráticos em curso forem concluídos com êxito.
- Sem liberdades democráticas acentuar-se-ão as clivagens étnicas, e as disputas religiosas assumirão contornos cada vez mais perigosos. A centralização dos poderes – característica essencial dos regimes autocráticos e ditatoriais – aprofundará ainda mais as nossas assimetrias regionais. E, assim, veremos permanentemente adiado o nosso sonho de competirmos em pé de igualdade com os países mais avançados do mundo.